quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Um ditador sem pescoço, outro sem cabeça

Costa e Silva havia assumido o Governo em março de 1967. Na mesma data, entrou em vigor a Constituição que Castello Branco fizera o Congresso aprovar, após mais algumas cassações de mandatos parlamentares. As principais medidas dos quatro Atos Institucionais baixados até então estavam incorporadas nessa nova Constituição: eleições indiretas, julgamento de civis pela Justiça Militar, eliminação quase completa do direito de greve... A ditadura se institucionalizava.
Jogador compulsivo, Costa e Silva não dispensava corridas de cavalo e era viciado em carteado. Pelo menos era o que se dizia dele. Contava-se que nos seus tempos de caserna vivia pendurado em dívidas de jogo. Mas, a partir de 1964, sua sorte mudara. Mesmo quando perdia, quem participava de suas rodadas de pôquer acabava “esquecendo-se” de descontar o cheque recebido dele. Em troca, muito empresário admitido em seu círculo íntimo fez excelentes negócios com o governo.
Era tido como um homem obtuso, o que ele próprio ajudava a comprovar dizendo que só lia palavras cruzadas. A partir do momento em que começou a ser apontado como sucessor de Castello, as piadas sobre ele não pararam mais. Uma delas: Costa e Silva teria confundido a placa “Em Obras”, mostrando-a a um visitante estrangeiro como a mais nova estatal brasileira, a “Emobras”. Outra dizia que “locomotiva vai para frente e apita, mas o Brasil vai de costa e silva”.
Embora tenha sido o mais ridicularizado, Costa e Silva não foi o único dos nossos ditadores objeto de piadas. Castello Branco, conhecido como “o presidente sem pescoço” por seu físico atarracado e cabeça que parecia sair direto dos ombros, protagonizava anedotas nas quais estava sempre atrapalhado com a gravata. Circulou em Porto Alegre que, na posse de Costa e Silva, alguém do círculo palaciano (talvez o próprio Castello) disse após a transmissão do cargo:
– Sai um presidente sem pescoço, entra um sem cabeça.

Castello Branco morreu num acidente aéreo quatro meses após deixar o cargo. Em Porto Alegre, fui para um bar comemorar com amigos, bebendo cachaça. Na Zona Sul do Rio, houve festa com champanhe. Costa e Silva não demorou muito a acompanhá-lo. Morreu em 1969, sem completar o mandato, mas dessa vez não houve festa: o país estava mergulhado no Ato Institucional nº 5. Havíamos perdido até o senso de humor.

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