quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Os traidores dão nome às ruas

O golpe de 1964, pela forma como foi desfechado, parecia ter tudo para dar errado. As tropas que saíram de Minas Gerais em 31 de março, comandadas por um general fanfarrão, eram qualquer coisa menos uma força capaz de derrubar algum governo, de forma que só no dia seguinte, ou seja, no Dia da Mentira, ficou claro tratar-se de algo sério. Por isso, pelos anos seguintes, os que se colocavam contra a quartelada continuaram dando a ela o nome de “golpe do 1º de abril”, enquanto quem era a favor falava na “revolução democrática de 31 de março”.
O fato é que esse exército de Brancaleone foi avançando sem encontrar resistência. Enquanto isso, os comandos militares janguistas iam rapidamente entregando os pontos, coagidos pelos conspiradores, que haviam conseguido contaminar toda a estrutura militar.
Já se gastou muita tinta para explicar porque o governo João Goulart caiu como uma fruta podre, sem voz de comando, sem disparar um único tiro. Também não é novidade que os conspiradores não esperavam que tudo fosse tão fácil. Eles estavam preparados para conflagrar o país, contando com total apoio norte-americano, que chegaria à intervenção direta se fosse preciso.
De fato, documentação liberada pelo governo dos Estados Unidos e estudada nos últimos anos não deixa dúvida de que a chamada “Operação Brother Sam”, desfechada exatamente no 31 de março, tinha a intenção e os meios necessários para iniciar a invasão do Brasil, caso os golpistas necessitassem. Essa operação consistiu no deslocamento em direção ao litoral brasileiro de uma frota de guerra norte-americana com 14 navios, entre os quais um porta-aviões que poderia transportar armas nucleares e um navio de transporte de tropas com fuzileiros navais, os mariners, preparados para o desembarque. Levava gás lacrimogêneo para controle de multidões, 110 toneladas de armas e munições, esquadrilha de caça, helicópteros, aviões de transporte.
Enfim, mesmo começando com uma marcha caricatural, protagonizada pelo general Mourão Filho, o golpe nada tinha de blefe. Do ponto de vista do governo, o poderio do inimigo definia o cenário de uma guerra perdida, o que torna mais fácil compreender a paralisação de Jango e, por fim, sua decisão de se exilar.
Recentemente, passei com um amigo advogado pelo Minhocão, a via elevada de São Paulo que leva o nome do general Costa e Silva, e ouvi dele que no Brasil os traidores dão nome a ruas, viadutos, rodovias, praças. Ele exemplificou:
– Veja esse cara, o Costa e Silva, ele e os outros golpistas de 64 estavam perfeitamente articulados com a força inimiga enviada contra o Brasil, a Operação Brother Sam.
Meu amigo não se contentou com a observação genérica. Chegando em casa, abriu um exemplar do Código Penal Militar e me telefonou para acrescentar:

– Tudo o que os golpistas fizeram está aqui, no capítulo que tipifica os crimes de traição: atentar contra a soberania do Brasil, prestar informação ao inimigo, coagir comandantes, aliciar militares em favor do inimigo y otras cositas más.

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