quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Argentina! Argentina! Argentina!

Torcer contra a seleção nacional de futebol foi um traço importante da minha geração. E não apenas no Brasil. Em 1978, fui convidado para ir à casa de um amigo assistir a uma das partidas da Copa do Mundo que se realizava na Argentina. Era exatamente a partida entre Brasil e Argentina e entre os convidados estava um cidadão argentino fugido da ditadura deles. Nesse jogo, eu torcia pela Argentina e ele pelo Brasil. A certa altura o argentino tentou me doutrinar:
– ¡Hay que apoyar el equipo de Brasil! Nosotros estamos en una dictadura feroz...
– De jeito nenhum, aqui também tem ditadura – respondi.
– ¡Pero ustedes están en abertura política y la dictadura argentina siegue matando!
E continuou na mesma cantilena, até que eu não aguentei mais e cortei o papo:
– Vão se foder você e a sua ditadura! Eu torço pela Argentina.
Provocativo, a cada lance passei a gritar:
– Argentina! Argentina! Argentina!
Para contentar a ambos, o jogo acabou em zero a zero.
Comigo, essa opção político-futebolística começara oito anos antes, em junho de 1970. Era época de Copa do Mundo, a Copa do México. Como nas anteriores, o país transbordava de alegria e paixão, sentimentos potencializados por aquela ter sido a primeira Copa transmitida ao vivo pela televisão, em rede nacional. Começou ali a tradição de os vizinhos se reunirem para decorar as ruas, as pessoas saírem mais cedo do trabalho para assistir aos jogos e as escolas suspenderem aulas, coisas que se faz até hoje com entusiasmo idêntico.
Foi também a primeira vez que torci contra a seleção brasileira. Além do nojo que me dava ver a ditadura manipular abertamente o sentimento de brasilidade das pessoas, havia outro motivo. Por aqueles dias, quase toda a direção do POR-T e mais alguns militantes foram presos, incluindo Tullo e Maria, ela grávida. Eu só escapei porque não morava mais no aparelho técnico. Realmente, não dava para apoiar a seleção da ditadura, enquanto meus companheiros eram torturados.

Nessa época era relativamente comum nos círculos de esquerda encontrar gente torcendo pelo adversário que enfrentava o Brasil no futebol. Quem adotava essa posição não chegava a constituir a maioria do pessoal de esquerda, até porque era (e continua sendo) quase um sacrilégio ir contra o patriotismo avassalador que o futebol desperta em tempo de Copa. Mas houve um grupo expressivo que torcia contra a seleção nacional. No meu caso (e no de outros que conheci), a coisa virou um sentimento visceral de repulsa, que demorei a superar. Não era nada racional, era repulsa mesmo, tanto que até hoje torço com muito mais entusiasmo pelo Corinthians, ou pelo Internacional de Porto Alegre, do que pela seleção brasileira.

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