Torcer contra a seleção nacional de futebol foi um traço importante da
minha geração. E não apenas no Brasil. Em 1978, fui convidado para ir à casa de
um amigo assistir a uma das partidas da Copa do Mundo que se realizava na
Argentina. Era exatamente a partida entre Brasil e Argentina e entre os
convidados estava um cidadão argentino fugido da ditadura deles. Nesse jogo, eu
torcia pela Argentina e ele pelo Brasil. A certa altura o argentino tentou me
doutrinar:
– ¡Hay que apoyar el equipo de Brasil! Nosotros estamos en una
dictadura feroz...
– De jeito nenhum, aqui também tem ditadura – respondi.
– ¡Pero ustedes están en
abertura política y la dictadura argentina siegue matando!
E continuou na mesma cantilena, até que eu não aguentei mais e cortei
o papo:
– Vão se foder você e a sua ditadura! Eu torço pela Argentina.
Provocativo, a cada lance passei a gritar:
– Argentina! Argentina! Argentina!
Para contentar a ambos, o jogo acabou em zero a zero.
Comigo, essa opção político-futebolística começara oito anos antes, em
junho de 1970. Era época de Copa do Mundo, a Copa do México. Como nas
anteriores, o país transbordava de alegria e paixão, sentimentos
potencializados por aquela ter sido a primeira Copa transmitida ao vivo pela
televisão, em rede nacional. Começou ali a tradição de os vizinhos se reunirem
para decorar as ruas, as pessoas saírem mais cedo do trabalho para assistir aos
jogos e as escolas suspenderem aulas, coisas que se faz até hoje com entusiasmo
idêntico.
Foi também a primeira vez que torci contra a seleção brasileira. Além
do nojo que me dava ver a ditadura manipular abertamente o sentimento de
brasilidade das pessoas, havia outro motivo. Por aqueles dias, quase toda a
direção do POR-T e mais alguns militantes foram presos, incluindo Tullo e
Maria, ela grávida. Eu só escapei porque não morava mais no aparelho técnico.
Realmente, não dava para apoiar a seleção da ditadura, enquanto meus
companheiros eram torturados.
Nessa época era relativamente comum nos círculos de esquerda encontrar
gente torcendo pelo adversário que enfrentava o Brasil no futebol. Quem adotava
essa posição não chegava a constituir a maioria do pessoal de esquerda, até
porque era (e continua sendo) quase um sacrilégio ir contra o patriotismo
avassalador que o futebol desperta em tempo de Copa. Mas houve um grupo
expressivo que torcia contra a seleção nacional. No meu caso (e no de outros
que conheci), a coisa virou um sentimento visceral de repulsa, que demorei a
superar. Não era nada racional, era repulsa mesmo, tanto que até hoje torço com
muito mais entusiasmo pelo Corinthians, ou pelo Internacional de Porto Alegre,
do que pela seleção brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário