quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O estancieiro "comunista"

Vendo-se com os olhos de hoje é difícil compreender como tantas pessoas acreditaram que João Goulart desejasse realmente implantar um regime comunista no Brasil. Foi mais uma das tantas insanidades coletivas da época. Mesmo sem ter as coisas tão claras assim, eu já via o absurdo da situação e um dia apresentei a questão a meu pai. Ele não titubeou:
– Ah! Mas aí vai ser o comunismo dele. Ele é que vai ser dono de tudo!
Naquela altura da vida, morando na favela, meu pai não tinha nada a perder. Nem por isso deixava de temer comunismo.
A grande imprensa, que desde o final de 1963 jogara-se por inteiro na campanha anti-Jango, desenvolvia raciocínios aparentemente menos simplórios. Para não ter que explicar o paradoxo de um presidente estancieiro, dono de 65 mil cabeças de gado, querer implantar o comunismo no Brasil, inventara uma tal “República Sindicalista”. Jango, que sempre tivera apoio dos sindicatos dominados pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o antigo PTB (e agora contava também com os do PCB), estava levando o país para uma República Sindicalista, fosse lá o que isso quisesse dizer. Acrescentavam-se acusações de corrupção no governo para, no fim, República Sindicalista, comunismo e corrupção virar uma coisa só e assim serem servidas ao público, como prato principal do cardápio conservador. Havia mais lógica na explicação ingênua de meu pai. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário